quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Pablo

Setembro é época de ventos frios e fortes, relembro. Foi por isso que corri até a janela ver o folguedo no céu. Mas os pés sujos do petiz me chamaram mais atenção. Era Pablo, que tinha acabado de mudar para a casa da vizinha. Havia em suas mãos algumas varas de marmelo. Ele passou pela cozinha, pegou a faca ensebada de gordura, deixando o sujo de terra no chão, sentou debaixo do pé de manga com as pernas entreabertas fazendo devoção aos seus instrumentos. Faca, plástico, vareta, linha e Pimpolho, seu escudeiro fiel e remanescente de sua última casa, este cultivava seu dono lambendo a canela suja de suco de limão.O que Pablo não sabia e nenhuma outra criança quer saber é que marmelo é mal, tinha que ter medo, não haveria nenhum tutelo se a dona descobrisse a atitude inocente do menino. As varas já tinham atividade e das mais cruéis, instrumento para coibir desobediência. Era da dona Azaléia, a terceira mãe de Pablo. A primeira e de sangue, tinha mais doze filhos, dois fugiram, seis entregues à avó paterna, quatro para os diferentes pais e por fim Pablo, que ela deixou com sua mãe, dona Morgana, a avó de Pablo que tinha falecido há dois meses. Cada qual em seu canto e em cada canto Pablo tinha o mesmo canto, choroso, angustiado, doloroso, acanhado.Criança não desdenha sorriso, claro, Pablo tinha soltado vários, mas ainda amargurava a última perda. Não queria mais perder o próximo, o escudeiro e o vento de setembro. Foi afinando e engordurando a vara até arfar. Dona Azaléia que dava comida aos porcos e se igualava a eles, voltou para a cozinha e retornou com um laço de rabo de boi, sem falar, piscar, pensar duas vezes passou pela canela fina do menino a pequena corda e o arrastou até o pé de goiaba. Pensava ele que era uma nova brincadeira, uma metáfora ao papagaio. Ela pegou mais uma vara de marmelo e recuou ao braço até as costas voltando com zunido endereçado às pernas do menino. Seis, sete, catorze chibatadas. Pablo se por hora gritou, já não tinha mais força. Tentou desamarrar, mas a mão não obedecia, trêmulo ficou atado, o vento já era doloroso e ardido, o suco de limão mais amargo e do próximo queria era distância. O cão lambia, mas o sangue não estancava. Pablo conheceu Deus, descobriu que a vara não levantava vôo de ninguém e não era por atividade única gerar o marmelo. Morre a criança e nasce o burro.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Seu José e a primavera

E quantas primaveras José contou?
Diz ele que desde quando nasceu. Se lembra de todas, todas! Do leite vital de 1974 a descomedida de 2007. Mais que a data o ar e a espera pela estação, José embra com saudades das mulheres que floresceram amores. A calorenta e trepadeira Alamanda, a mediana jardineira Azulzinha, Gérbera, Ipomáia, Manacá, até com as irmãs relvas se prostituiu. As mais memoráveis foram as que floresceram amores.
Rosa! ah... a Rosa, sua primeira paixão. Ela o mata de saudades, como flor era a mais fogosa do seu jardim e como a flor a mulher também era mais velha, no entanto enxuta como uma virgem. Virgem porque as rosas são cultivadas em mosteiros milenares. Rege a história que pelo menos um frade é especialista em botânica, somente para zelo das delas. È claro que nos mosteiros monges estudam e louvam o canto gregoriano. Já José louvava a Rosa proseando versos à caipira acompanhado da viola e seus estudos, bem, estes eram as curvas da bela moça. Já dizia Shakespeare em Romeu e Julieta. “Aquilo que chamamos rosa, com outro nome seria igualmente doce". E a Rosa de José era realmente assim, meiga. Para ele as pétalas eram as graças de sua mulher, de vestido rodado, flutuando ao dançar nas festas do Cadar. Seu sorriso era a anunciação de mais um desabrochar das rosas. Mas Rosa também tinha um espinho de amargura, era depressiva pobrezinha. Os pais morreram e ela caiu em desolação. Adornou o velório de sua família e morreu logo depois. Seu José tem chagas até hoje deixadas por ela e não quer as fechem-se.
Margarida. Ah... a Margarida. Uma mulher ímpar, não porque única e sim por ser a quinta das dez irmãs.
Margarida-Funcionária, nasceu para a labuta; Amarela, doente coitada, viveu na cama; Àrvore, queria estudar botânica; Transval, sempre via o nascer e o pôr-do- sol; Margarida Silvestre, não queria sair da terra onde nascera; Menor, era a caçula da família e a de Seu José; Margaridão, segundo o vilarejo, sapatão; Margaridinha, a caçula da família e Margarida-rasteira, a responsável pelo fim do romance. Seduziu José e a oficial viu tudo. Como desculpa ele disse que a terra é fraca e não aguentou.
A Gazânia, uma mulher temperamental demais, as melhores e piores noites foram com ela. Ficava branca, vermelha, amarela e alaranjada. Hora nervosa outras manhosa, triste outras alegre. Louca, porém maravilhosa. Gazânia não era de ficar parada, de dois em dois anos, queria novidade e foi embora deixando seu José desolado. Até que um dia conheceu Clívia... ah a Clívia! Segundo José teria se casado com ela, mas a moça precisava de muita atenção. Tropeiro de coração passava dias fora de casa viajando. Seu José entende-se como o sol, conheceu várias outras mulheres nas estações do ano. Perdoôu algumas vezes, mas cansou e foi-se embora antes de chegar outra flor, amor, vive sem pudor e com muito, mas muito calor com sua prima Vera.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O amor segundo segundos



Amar é um sentimento único, mor, que nenhum outro tenha alcançado tal nível.
Mor porque raiva, ódio, alegria e todo o
cosmo de sentimentos que nos rodeiam é originário do amor.
Tão virtuoso quanto a costela de Adão. Incontrolável, sagaz.
È a matemática incalculável, dialeto não decifrável.
Guerra entre razão e emoção, gregos e troianos.
Transborda e esvazia o circunstancial. Rasgo do mundo para o angelical.
Ah, o amor...
É o único e depois o único novamente, conseguinte.
Ócio da mente, exercício voraz do coração.
O casamento da paixão com a adoração.
O tempo esguio, o furto perdoado das palavras do poeta.
Ah, o amor...
È o abstrato concreto e o concreto abstrato.
Estar em companhia com pássaros.
A dor consentida e querida.
Olhar para o céu de nuvens desfiguradas e ver o rosto da pessoa amada.
Ah, o amor...
O desespero de mãos dadas com a calmaria.
O lápis reverenciando a folha com poesias.
A magia das danças dos corpos, o dinamismo do olhar.
João e Maria.
Ah, o amor!
Ausência das palavras, pois os olhos falam.
O ateu crendo em Deus.
Reprimir os pensamentos e jogar os dados
È abnegação à felicidade e a vida plena cedida à devoção do nosso bem querer.
Ah, o Amor!
È mendigar o sorriso do próximo.
A noite perdida tornar-se ganha.
Todo intelecto induzido ao nada.
O poema sempre incompleto esperando o verso amado.
Ah... meu Amor!

Mãe, não tampe a garrafa e afie a faca!



Mãe, não tampe a garrafa,
o intelecto, o espírito, a tenção ou o intuito, não corte as minhas asas!
Enalteça a rebeldia que nasce em meus cabelos, deixe ela emancipar meus desejos.
Energia diante do perigo, dos primeiros rugidos e quando eles saírem, não se desespere.
Espere, me aguce diante do medo.
Quando eu for uma das facas mais afiadas,
me direcione para o lugar certo.
Me leve a crer, a aceitar ou decidir,
com destreza de quem facultou minha vida até agora.
Espere me rebelar, contra o eu mesmo.
Trocar a casca, a cara e ser uma oposição forte a quem fui.
Mas toque em meus cabelos e olhe em meus olhos sempre.
A leveza do teu olhar é o peso da minha consciência.
Que seja o vento que move este moinho,
Vento de bons presságios
Mas quando eu lhe chamar, venha!
Fátima!
Leoa da América!

domingo, 23 de setembro de 2007

Livre arbítrio


Meus heróis

Dezessete horas e quinze minutos. Comunal os pontos da avenida Olegário Maciel cheio, principalmente às sextas. Venho andando pela Paraná, meio manco e barba por fazer crescida durante a semana de acordo com a maturidade que contemplo no serviço. Entro na fila do eterno 1160 quando um senhor pergunta.
- Betim homi?
Por Deus, essas horas tomo um leviano tapa da idade. Há dois anos me chamavam de menino.
Acompanhei-o até a rua paralela onde encontrei um grupo de pessoas e o transporte. Era a van branca, porém coberta de poeira, com o símbolo do ThunderCats enorme pregado nos vidros laterais. Entrei indo direto para o fundo. Sentei ao lado de um senhor já acomodado. Sorri cordialmente, mas, de óculos, sequer apareceu um festo hostil em seu rosto. Entraram todos e a briga entre audição e visão começou, sobre qual sentido eu usaria. Eles perderam e o cansaço ganhou. Dormi, sonhei com heróis e acordei a um quarteirão de casa.


Heróis

A barba coçava pelo seu tamanho, dias em casa e o desleixo cotidiano fazia parte do cotidiano. Era sexta-feira e esperava o ônibus no ponto, brincava com uma ode ritmada pelos meus pés quando uma cabeça apareceu pela janela da perua gritando o itinerário no qual eu encaixava. Entrei no apertado espaço onde a voz infeliz dizia:
- Aqui é igual coração de mãe. Sempre cabe mais um.
Fui para o fundo onde sentavam dois senhores, um, ao meu lado, de óculos para o qual sorri. Ele sequer mexeu os vincos da face. Sentei em paz com o sono, mas uma voz forte que vinha da frente me chamava à atenção, pigarreada, que quem conhecia sua dona, somente por ela a identificava.
Dizia:
- Só Deus sabe o que eu to passando esses dias. Todo meu peito ta apertado gente.
Ninguém tinha pedido para falar sobre quais problemas passava a senhora, mas todos respeitaram e se mostraram solidários a sua dor.
A jovem completou já emocionada ao perceber que ali, entre quinze bancos e vinte pessoas, seria ouvida:
- To procurando emprego há seis meses, meu marido ta preso moça.
- Ah... mas eu não falo meu problema pra vocês! - Retrucou a moça novamente – Não vai adiantar, ninguém pode me ajudar.
Pensei. Por que, então moça, aguça a curiosidade das pessoas? Outro passageiro deu continuidade ao divã operário...
-Vocês viram aquela enchente da semana passada? Meu barraco ficou todo inundado gente... meu filho ficou com a tia dele até eu arrumar alguma coisa.
- É mesmo moço? Mais uma voz entra na conversa tornando a o diálogo em um triálogo. – E a Defesa Civil?
Outra voz atravessada que surgia no meio da van afirmou com convicção.
- Ráh! Defesa Civil... Defesa Civil que nada dona. Um árvore caiu em cima da minha casa e eles não fizeram nada. Bocas infiéis de lá dentro dizem que eles jogam vôlei todo dia na parte da tarde, enquanto eu, você e o nosso amigo aqui ó, fica correndo atrás do prejuízo. Rãh! Defesa Civil!
- Ai, ai... essa época de chuva pra mim também não é nada bom.... minha filha se prende no quarto com o namorado e ficam lá a tarde inteira. Peço pra abrir a porta e ela diz que sou quadrada. Ué! È melhor ser quadrada do que a barriga dela aparecer redonda no inverno. Né não?
Arrematou a mãe enxuta, que sentava no segundo banco da direita para a esquerda.
Outro senhor que completava a fileira comigo e com sério homem de óculos resmungou exalando álcool:
-Povo à toa! Povo sem o que fazer!
Quando me dei por conta, antes mesmo de termos percorrido metade do caminho, todos falavam de seus problemas, exceto o senhor ao meu lado que se apresentava com seus óculos escuros. Ali, nada de cada um com seus problemas. È de certo que todos nós temos um grande, por menor que ele seja. E o sol que batia de tarde, fazia com que o adesivo do símbolo do ThunderCats pregado na janela, reproduzisse nos rostos. Não sei se eram os cat’s que precisavam de ajuda ou se éramos nós que tínhamos sidos beatificados heróis. Tantos impostos e problemas postos, tantas batalhas e ainda todos na guerra. Meu Deus!
Vida boa que eu tenho, que meus ouvidos deixem de ser pinicos e seja usado por eles. Que minha audição capte aquilo e que eu seja seu instrumento.
Por fim, o senhor que ficara calado toda a viagem, abriu a boca quando chegamos no bairro onde moro.
- Por favor rapaz, me ajude a descer. Eu sou cego!
Coitado, não pode ver...

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Eu quero meu R$0,01

Um centavo é um centavo não é?
Esta foi a pergunta, com certo ar de deboche, que a caixa me fez ao cobrar dela o troco de três centavos. Podem achar que sou pão-duro e capitalista ao extremo. Mas a minha atitude vai mais além, leva o nome da minha família, contra a omissão e mesmo parecendo contradição, anti-capitalismo. Como vou explicar o meu padrinho que não junto os centavos e ainda por cima não recebo troco do caixa.

- Meu troco! Desculpe-me senhora, mas quem está errado nesta história é você.
Pense bem, eu que recebo meus sofridos 26.000 centavos, tenho que fazer caridade de sustentar uma empresa. Isso mesmo, estagiário não conta os reais e sim os centavos. Três centavos mais 27 é o meu café, não que seja tão bom, mas é café.Também mesmo se eu passasse pela primeira esquina e doasse a quantia
à alguém, mas é meu! Hoje, com o progresso chinês, compro três balas por um centavo. Isso também se eu quiser, pois quero meu dinheiro e não venha com balas de troco. Caso insista, vou juntar minhas balas e pagar contas. Dessa forma a senhora compra o leite da sua filha com as balas. Aí sim tudo bem.
Se um centavo não fosse dinheiro, Banco Central não custearia a moeda. Guardo-as em um pote e aonde quiser. Elas engordam os porquinhos das crianças, realizam desejos, são amuletos e pagam os meus cafés diários. Um centavo não dá cifras intermináveis, da mesma forma que uma letra não gera palavra, mas a união delas sim. Então por favor, coloquem as moedinhas de um centavo nos caixas, porque eu as exijo como troco. Se quiserem ir buscar no cofre da empresa, tudo bem, eu espero. Agora senhora caixa eu respondo a sua pergunta? Então enfia os centavos no seu cofrinho!

terça-feira, 3 de abril de 2007

Descartáveis, adoráveis e memoráveis!

Dizem que das pessoas que passam em nossas vidas, 50% conhecemos até os 23 anos. Entre elas estão familiares, parentes, amigos, colegas, inconvenientes e namoradas. Destes apenas 25% serão lembrados na posteridade, os que viram alicerces de nossos corpos e mentes. Para os analistas esse grupo se restringe às pessoas mais próximas. Como nem todo crítico é lúcido, as pesquisas também se embriagam. Não podem esquecer dos descartáveis, são as melhores pessoas que conhecemos, mesmo porque não as conhecemos muito bem. Exemplo? Ônibus. É a maior convenção de descartáveis contemporâneos. Uma prateleira farta e diversificada. É só escolher com quem conversar e falar a primeira palavra. Pronto! está iniciada a filosofia do dia. Imagine Platão, Aristóteles, Xenófanes ou então Descartes, Rousseau dentro dos ônibus. Adoráveis! Iriam prosear sobre o eu, sobre o efêmero papo interpenetrado nele mesmo.
A labuta diária é pesada e não há tempo para bater uma resenha. A verdade é que os descartáveis são realmente estranhos, falam o que queremos e se rolar um clima até cedem o ombro para cochilarmos. Quem nunca encontrou no ônibus apenas um lugar, este ao lado da senhora de cento e cinqüenta quilos. Aquela que nem sabemos se usa cinto ou a linha do equador e que ocupara o espaço dela e a metade do seu. É claro que não sentamos e sim nosso lado esquerdo senta a banda direita do corpo ou vice versa. Quem nunca puxou papo com um descartável tendo segundas intenções e percebe que este sofre de gerundismo terrível. Ao perguntar onde trabalha, ele responde no telemarketing da sua operadora telefônica. Controle-se, no final do ponto ele vai falar “O Sr. podia estar mudando de operadora, nosso serviço está sendo horrível” e fazer jus ao seu rótulo de descartável. Existem aqueles que sabem de tudo, conheceram presidentes, fumou maconha com Bob Marley e que carteira de motorista é um símbolo de masculinidade. Aquelas que lêem mãos e acabam descobrindo tudo de sua vida e ainda afirmam que possui um leve distúrbio mental tracejado em suas próprias digitais.
Descartáveis, não há como fugir. Um dia você vai encontrar. Tarados, ladros, antipáticos; peões, anões; loucos, tolos; lúcidos ou loucos demais, amantes, adoráveis e memoráveis.

quinta-feira, 15 de março de 2007

23

Não tenho escrito muitas poesias, mas tenho vivido pequenas. Os 23 bateram em minha porta e quando percebi, não tinha mais como fechar. Sai correndo pelos becos do meu consciente procurando ser inconsciente diante da novidade de março de 1984, que se repetia todos os anos religiosamente, mas mesmo no cantinho escuro, mais perto do coração do que da mente, eles me acharam. Cansei de ser ninguém, mas também não caminharei como 23. Vou ser eu mesmo. Fernando que já nasceu Pessoa e Buarque que já Chico brasileiro fazem parte da minha vida. Jorge Luís Borges que já não enxerga e muito vê, não quis mais viver. Talvez tenha caído aqui por engano.
Despedidas aumentam cada vez mais. Não é injustiça que as pessoas vão embora, injustiça é querê-las sempre ao nosso lado. Coisa de egoísta, ser humano. Sou um extremista. Os vincos começaram a aparecer em minhas faces e a mais feliz é a que desenha um leve sorriso. Talvez seja porque percebo que as montanhas também envelhecem, porém seus vincos são paisagens. Prepotência dos anos. A verdade é que lutei, enverguei, sangrei de tanta teimosia, mas a cronologia do tempo me fez assim. Sou um e eles são sete, que se formam um, mais três ou quatro formam mês. O ano são doze. Vinte e três gigantes.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Os sonhos de Nazareno

Nazareno, 54 anos, um senhor bairrista, verdadeiro filósofo de buteco. Homem sério, bigode alinhado e impecável até em suas roupas. Dizia que "a vida nada mais é que um copo de cerveja. Quando abusada demais, é derramada a revelação" e que "o futuro nada mais é a sequência de um buteco. A casa e, novamente, o buteco". Ninguém entendia seus provérbios, mas se tivesse sentido para ele, tanto faz, oditnes para os outros. Famoso na região por causa de suas manias, todos o reconheciam, fosse pelo seu bigode ou pelos seus provérbios. Quando as senhoras discípulas dos programas vespertinos, experts em levantar defuntos, o viam, diziam:
- Lá vai Seu Nazareno com o passarinho preso na boca recitar o que nem sabe o que quer dizer. Melhor mesmo é assistir Sônia Brava!
Assim era, todos os dias a mesma coisa, um ritual. Chegava no buteco do Nhô Lau, que usufruía de seu nome para o bar, escorava sobre o balcão e ali mesmo, como se fosse o palco do teatro de Manaus lotada de pessoas cultas, fazia mais um provérbio Nazarenês para uma porção de homens que deliciavam uma pelinha com Cagibrina. Nos dias menos inspirados, falava qualquer coisa e arriscava até uma charada com o balconista.
- O que é, o que é? Não tem braço e não tenho perna?
Lau, mesmo cansado de ouvir baboseiras, sempre respondia para não perder o freguês:
- Sei não, senhor.
- Um aleijado!
Outras ficaram conhecidas pelo bairro como os Clássicos Nazarenês.
- O que é, o que é? Muda de cor e come criancinhas?
- Sei não, senhor! - Respondia Lau
- Michael Jackson
Seu Nazareno dava a reposta acompanhada de uma risada farta e grossa. Uma mistura de Papai Noel com Fafá de Belém.
Há um certo tempo Nazareno teve uma dor imensa em seu peito e não tratou. Era de sua personalidade não procurar médicos, alquimistas e pensadores para tratar de problemas relacionados à saúde.
O senhor caracterizado pelo bigode nasceu como qualquer outro ser humano, a diferença era que seu destino foi especialmente escrito de forma manual pelas tapeceiras de Madagascar, para que no decorrer da vida fosse humilde e soubesse que passos seguir. Tudo por nada, pois esse não teve discernimento. Se envolveu com o Amor, o sentimento primário, e não soube dosá-lo como a cerveja de todo dia. Virou personagem de seu próprio provérbio. "A dor é mãe e o pai é razão", acabou puxando a mãe. Foi tanto Amor, mas tanto Amor por um sonho que virou ferida e veio falecer.
No dia em que falecera, Nazareno estava sentado na mesa de sua casa, acompanhado de uma vela acesa e caderno e no horário da 2º edição de seu espetáculo butequês. Nesta noite, as senhoras nada falaram e Nhô Lau nada ouviu. Seu último provérbio, um plágio comunal, foi como um tango, mas nunca fez tanto sentido ao contrário dos outros que escrevera. “Antes eu do que você”. Assim ele se foi e se ele foi assim jà não sei, mas imagino. Foi assim que também nasci, da morte de Seu Nazareno. Escrevo esta carta para homenagear á quem sua vida me deu.
Meu nome? Prazer! Sou Sonho. Sempre andei por trás das falas de Nazareno e no meio de suas durmidas. Sei que não sou estranho e perpetuo em você também. Por Deus! Deviam ter explicado para Nazareno que o homem não suporta amor, somente os sonhos, pois os sonhos não se realizam, são renovados e sempre amados. O homem é desprovido da sinceridade e do amor eterno que nós sonhos os alimentamos da vontade de viver. Corremos como um velocista que imagina ter asas nos pés. Somos concretos como o tato e surreal como nós mesmos. Somos como uma bailarina que dança com o tempo sem temê-lo. E por favor, não nos julgue, pois os grandes citados em histórias mal contadas foram sempre guiados por nós e se nós não tivéssemos feito o que fizemos, hoje não seria grandes feitos e sim procedimentos de idiotas. Somos filhos da atividade criativa e nosso sentido não é ter acepção. Por fim não se esqueça nunca, não acordo quando você dorme, acordo quando você acorda.

Ah! Seu Nazareno? Podem continuar chamando assim, ele anda escrevendo, escrevendo e acordando... sempre acordando.



Marcus V. Barbosa