terça-feira, 25 de setembro de 2007

Seu José e a primavera

E quantas primaveras José contou?
Diz ele que desde quando nasceu. Se lembra de todas, todas! Do leite vital de 1974 a descomedida de 2007. Mais que a data o ar e a espera pela estação, José embra com saudades das mulheres que floresceram amores. A calorenta e trepadeira Alamanda, a mediana jardineira Azulzinha, Gérbera, Ipomáia, Manacá, até com as irmãs relvas se prostituiu. As mais memoráveis foram as que floresceram amores.
Rosa! ah... a Rosa, sua primeira paixão. Ela o mata de saudades, como flor era a mais fogosa do seu jardim e como a flor a mulher também era mais velha, no entanto enxuta como uma virgem. Virgem porque as rosas são cultivadas em mosteiros milenares. Rege a história que pelo menos um frade é especialista em botânica, somente para zelo das delas. È claro que nos mosteiros monges estudam e louvam o canto gregoriano. Já José louvava a Rosa proseando versos à caipira acompanhado da viola e seus estudos, bem, estes eram as curvas da bela moça. Já dizia Shakespeare em Romeu e Julieta. “Aquilo que chamamos rosa, com outro nome seria igualmente doce". E a Rosa de José era realmente assim, meiga. Para ele as pétalas eram as graças de sua mulher, de vestido rodado, flutuando ao dançar nas festas do Cadar. Seu sorriso era a anunciação de mais um desabrochar das rosas. Mas Rosa também tinha um espinho de amargura, era depressiva pobrezinha. Os pais morreram e ela caiu em desolação. Adornou o velório de sua família e morreu logo depois. Seu José tem chagas até hoje deixadas por ela e não quer as fechem-se.
Margarida. Ah... a Margarida. Uma mulher ímpar, não porque única e sim por ser a quinta das dez irmãs.
Margarida-Funcionária, nasceu para a labuta; Amarela, doente coitada, viveu na cama; Àrvore, queria estudar botânica; Transval, sempre via o nascer e o pôr-do- sol; Margarida Silvestre, não queria sair da terra onde nascera; Menor, era a caçula da família e a de Seu José; Margaridão, segundo o vilarejo, sapatão; Margaridinha, a caçula da família e Margarida-rasteira, a responsável pelo fim do romance. Seduziu José e a oficial viu tudo. Como desculpa ele disse que a terra é fraca e não aguentou.
A Gazânia, uma mulher temperamental demais, as melhores e piores noites foram com ela. Ficava branca, vermelha, amarela e alaranjada. Hora nervosa outras manhosa, triste outras alegre. Louca, porém maravilhosa. Gazânia não era de ficar parada, de dois em dois anos, queria novidade e foi embora deixando seu José desolado. Até que um dia conheceu Clívia... ah a Clívia! Segundo José teria se casado com ela, mas a moça precisava de muita atenção. Tropeiro de coração passava dias fora de casa viajando. Seu José entende-se como o sol, conheceu várias outras mulheres nas estações do ano. Perdoôu algumas vezes, mas cansou e foi-se embora antes de chegar outra flor, amor, vive sem pudor e com muito, mas muito calor com sua prima Vera.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O amor segundo segundos



Amar é um sentimento único, mor, que nenhum outro tenha alcançado tal nível.
Mor porque raiva, ódio, alegria e todo o
cosmo de sentimentos que nos rodeiam é originário do amor.
Tão virtuoso quanto a costela de Adão. Incontrolável, sagaz.
È a matemática incalculável, dialeto não decifrável.
Guerra entre razão e emoção, gregos e troianos.
Transborda e esvazia o circunstancial. Rasgo do mundo para o angelical.
Ah, o amor...
É o único e depois o único novamente, conseguinte.
Ócio da mente, exercício voraz do coração.
O casamento da paixão com a adoração.
O tempo esguio, o furto perdoado das palavras do poeta.
Ah, o amor...
È o abstrato concreto e o concreto abstrato.
Estar em companhia com pássaros.
A dor consentida e querida.
Olhar para o céu de nuvens desfiguradas e ver o rosto da pessoa amada.
Ah, o amor...
O desespero de mãos dadas com a calmaria.
O lápis reverenciando a folha com poesias.
A magia das danças dos corpos, o dinamismo do olhar.
João e Maria.
Ah, o amor!
Ausência das palavras, pois os olhos falam.
O ateu crendo em Deus.
Reprimir os pensamentos e jogar os dados
È abnegação à felicidade e a vida plena cedida à devoção do nosso bem querer.
Ah, o Amor!
È mendigar o sorriso do próximo.
A noite perdida tornar-se ganha.
Todo intelecto induzido ao nada.
O poema sempre incompleto esperando o verso amado.
Ah... meu Amor!

Mãe, não tampe a garrafa e afie a faca!



Mãe, não tampe a garrafa,
o intelecto, o espírito, a tenção ou o intuito, não corte as minhas asas!
Enalteça a rebeldia que nasce em meus cabelos, deixe ela emancipar meus desejos.
Energia diante do perigo, dos primeiros rugidos e quando eles saírem, não se desespere.
Espere, me aguce diante do medo.
Quando eu for uma das facas mais afiadas,
me direcione para o lugar certo.
Me leve a crer, a aceitar ou decidir,
com destreza de quem facultou minha vida até agora.
Espere me rebelar, contra o eu mesmo.
Trocar a casca, a cara e ser uma oposição forte a quem fui.
Mas toque em meus cabelos e olhe em meus olhos sempre.
A leveza do teu olhar é o peso da minha consciência.
Que seja o vento que move este moinho,
Vento de bons presságios
Mas quando eu lhe chamar, venha!
Fátima!
Leoa da América!

domingo, 23 de setembro de 2007

Livre arbítrio


Meus heróis

Dezessete horas e quinze minutos. Comunal os pontos da avenida Olegário Maciel cheio, principalmente às sextas. Venho andando pela Paraná, meio manco e barba por fazer crescida durante a semana de acordo com a maturidade que contemplo no serviço. Entro na fila do eterno 1160 quando um senhor pergunta.
- Betim homi?
Por Deus, essas horas tomo um leviano tapa da idade. Há dois anos me chamavam de menino.
Acompanhei-o até a rua paralela onde encontrei um grupo de pessoas e o transporte. Era a van branca, porém coberta de poeira, com o símbolo do ThunderCats enorme pregado nos vidros laterais. Entrei indo direto para o fundo. Sentei ao lado de um senhor já acomodado. Sorri cordialmente, mas, de óculos, sequer apareceu um festo hostil em seu rosto. Entraram todos e a briga entre audição e visão começou, sobre qual sentido eu usaria. Eles perderam e o cansaço ganhou. Dormi, sonhei com heróis e acordei a um quarteirão de casa.


Heróis

A barba coçava pelo seu tamanho, dias em casa e o desleixo cotidiano fazia parte do cotidiano. Era sexta-feira e esperava o ônibus no ponto, brincava com uma ode ritmada pelos meus pés quando uma cabeça apareceu pela janela da perua gritando o itinerário no qual eu encaixava. Entrei no apertado espaço onde a voz infeliz dizia:
- Aqui é igual coração de mãe. Sempre cabe mais um.
Fui para o fundo onde sentavam dois senhores, um, ao meu lado, de óculos para o qual sorri. Ele sequer mexeu os vincos da face. Sentei em paz com o sono, mas uma voz forte que vinha da frente me chamava à atenção, pigarreada, que quem conhecia sua dona, somente por ela a identificava.
Dizia:
- Só Deus sabe o que eu to passando esses dias. Todo meu peito ta apertado gente.
Ninguém tinha pedido para falar sobre quais problemas passava a senhora, mas todos respeitaram e se mostraram solidários a sua dor.
A jovem completou já emocionada ao perceber que ali, entre quinze bancos e vinte pessoas, seria ouvida:
- To procurando emprego há seis meses, meu marido ta preso moça.
- Ah... mas eu não falo meu problema pra vocês! - Retrucou a moça novamente – Não vai adiantar, ninguém pode me ajudar.
Pensei. Por que, então moça, aguça a curiosidade das pessoas? Outro passageiro deu continuidade ao divã operário...
-Vocês viram aquela enchente da semana passada? Meu barraco ficou todo inundado gente... meu filho ficou com a tia dele até eu arrumar alguma coisa.
- É mesmo moço? Mais uma voz entra na conversa tornando a o diálogo em um triálogo. – E a Defesa Civil?
Outra voz atravessada que surgia no meio da van afirmou com convicção.
- Ráh! Defesa Civil... Defesa Civil que nada dona. Um árvore caiu em cima da minha casa e eles não fizeram nada. Bocas infiéis de lá dentro dizem que eles jogam vôlei todo dia na parte da tarde, enquanto eu, você e o nosso amigo aqui ó, fica correndo atrás do prejuízo. Rãh! Defesa Civil!
- Ai, ai... essa época de chuva pra mim também não é nada bom.... minha filha se prende no quarto com o namorado e ficam lá a tarde inteira. Peço pra abrir a porta e ela diz que sou quadrada. Ué! È melhor ser quadrada do que a barriga dela aparecer redonda no inverno. Né não?
Arrematou a mãe enxuta, que sentava no segundo banco da direita para a esquerda.
Outro senhor que completava a fileira comigo e com sério homem de óculos resmungou exalando álcool:
-Povo à toa! Povo sem o que fazer!
Quando me dei por conta, antes mesmo de termos percorrido metade do caminho, todos falavam de seus problemas, exceto o senhor ao meu lado que se apresentava com seus óculos escuros. Ali, nada de cada um com seus problemas. È de certo que todos nós temos um grande, por menor que ele seja. E o sol que batia de tarde, fazia com que o adesivo do símbolo do ThunderCats pregado na janela, reproduzisse nos rostos. Não sei se eram os cat’s que precisavam de ajuda ou se éramos nós que tínhamos sidos beatificados heróis. Tantos impostos e problemas postos, tantas batalhas e ainda todos na guerra. Meu Deus!
Vida boa que eu tenho, que meus ouvidos deixem de ser pinicos e seja usado por eles. Que minha audição capte aquilo e que eu seja seu instrumento.
Por fim, o senhor que ficara calado toda a viagem, abriu a boca quando chegamos no bairro onde moro.
- Por favor rapaz, me ajude a descer. Eu sou cego!
Coitado, não pode ver...