domingo, 23 de setembro de 2007

Livre arbítrio


Meus heróis

Dezessete horas e quinze minutos. Comunal os pontos da avenida Olegário Maciel cheio, principalmente às sextas. Venho andando pela Paraná, meio manco e barba por fazer crescida durante a semana de acordo com a maturidade que contemplo no serviço. Entro na fila do eterno 1160 quando um senhor pergunta.
- Betim homi?
Por Deus, essas horas tomo um leviano tapa da idade. Há dois anos me chamavam de menino.
Acompanhei-o até a rua paralela onde encontrei um grupo de pessoas e o transporte. Era a van branca, porém coberta de poeira, com o símbolo do ThunderCats enorme pregado nos vidros laterais. Entrei indo direto para o fundo. Sentei ao lado de um senhor já acomodado. Sorri cordialmente, mas, de óculos, sequer apareceu um festo hostil em seu rosto. Entraram todos e a briga entre audição e visão começou, sobre qual sentido eu usaria. Eles perderam e o cansaço ganhou. Dormi, sonhei com heróis e acordei a um quarteirão de casa.


Heróis

A barba coçava pelo seu tamanho, dias em casa e o desleixo cotidiano fazia parte do cotidiano. Era sexta-feira e esperava o ônibus no ponto, brincava com uma ode ritmada pelos meus pés quando uma cabeça apareceu pela janela da perua gritando o itinerário no qual eu encaixava. Entrei no apertado espaço onde a voz infeliz dizia:
- Aqui é igual coração de mãe. Sempre cabe mais um.
Fui para o fundo onde sentavam dois senhores, um, ao meu lado, de óculos para o qual sorri. Ele sequer mexeu os vincos da face. Sentei em paz com o sono, mas uma voz forte que vinha da frente me chamava à atenção, pigarreada, que quem conhecia sua dona, somente por ela a identificava.
Dizia:
- Só Deus sabe o que eu to passando esses dias. Todo meu peito ta apertado gente.
Ninguém tinha pedido para falar sobre quais problemas passava a senhora, mas todos respeitaram e se mostraram solidários a sua dor.
A jovem completou já emocionada ao perceber que ali, entre quinze bancos e vinte pessoas, seria ouvida:
- To procurando emprego há seis meses, meu marido ta preso moça.
- Ah... mas eu não falo meu problema pra vocês! - Retrucou a moça novamente – Não vai adiantar, ninguém pode me ajudar.
Pensei. Por que, então moça, aguça a curiosidade das pessoas? Outro passageiro deu continuidade ao divã operário...
-Vocês viram aquela enchente da semana passada? Meu barraco ficou todo inundado gente... meu filho ficou com a tia dele até eu arrumar alguma coisa.
- É mesmo moço? Mais uma voz entra na conversa tornando a o diálogo em um triálogo. – E a Defesa Civil?
Outra voz atravessada que surgia no meio da van afirmou com convicção.
- Ráh! Defesa Civil... Defesa Civil que nada dona. Um árvore caiu em cima da minha casa e eles não fizeram nada. Bocas infiéis de lá dentro dizem que eles jogam vôlei todo dia na parte da tarde, enquanto eu, você e o nosso amigo aqui ó, fica correndo atrás do prejuízo. Rãh! Defesa Civil!
- Ai, ai... essa época de chuva pra mim também não é nada bom.... minha filha se prende no quarto com o namorado e ficam lá a tarde inteira. Peço pra abrir a porta e ela diz que sou quadrada. Ué! È melhor ser quadrada do que a barriga dela aparecer redonda no inverno. Né não?
Arrematou a mãe enxuta, que sentava no segundo banco da direita para a esquerda.
Outro senhor que completava a fileira comigo e com sério homem de óculos resmungou exalando álcool:
-Povo à toa! Povo sem o que fazer!
Quando me dei por conta, antes mesmo de termos percorrido metade do caminho, todos falavam de seus problemas, exceto o senhor ao meu lado que se apresentava com seus óculos escuros. Ali, nada de cada um com seus problemas. È de certo que todos nós temos um grande, por menor que ele seja. E o sol que batia de tarde, fazia com que o adesivo do símbolo do ThunderCats pregado na janela, reproduzisse nos rostos. Não sei se eram os cat’s que precisavam de ajuda ou se éramos nós que tínhamos sidos beatificados heróis. Tantos impostos e problemas postos, tantas batalhas e ainda todos na guerra. Meu Deus!
Vida boa que eu tenho, que meus ouvidos deixem de ser pinicos e seja usado por eles. Que minha audição capte aquilo e que eu seja seu instrumento.
Por fim, o senhor que ficara calado toda a viagem, abriu a boca quando chegamos no bairro onde moro.
- Por favor rapaz, me ajude a descer. Eu sou cego!
Coitado, não pode ver...