quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Os sonhos de Nazareno

Nazareno, 54 anos, um senhor bairrista, verdadeiro filósofo de buteco. Homem sério, bigode alinhado e impecável até em suas roupas. Dizia que "a vida nada mais é que um copo de cerveja. Quando abusada demais, é derramada a revelação" e que "o futuro nada mais é a sequência de um buteco. A casa e, novamente, o buteco". Ninguém entendia seus provérbios, mas se tivesse sentido para ele, tanto faz, oditnes para os outros. Famoso na região por causa de suas manias, todos o reconheciam, fosse pelo seu bigode ou pelos seus provérbios. Quando as senhoras discípulas dos programas vespertinos, experts em levantar defuntos, o viam, diziam:
- Lá vai Seu Nazareno com o passarinho preso na boca recitar o que nem sabe o que quer dizer. Melhor mesmo é assistir Sônia Brava!
Assim era, todos os dias a mesma coisa, um ritual. Chegava no buteco do Nhô Lau, que usufruía de seu nome para o bar, escorava sobre o balcão e ali mesmo, como se fosse o palco do teatro de Manaus lotada de pessoas cultas, fazia mais um provérbio Nazarenês para uma porção de homens que deliciavam uma pelinha com Cagibrina. Nos dias menos inspirados, falava qualquer coisa e arriscava até uma charada com o balconista.
- O que é, o que é? Não tem braço e não tenho perna?
Lau, mesmo cansado de ouvir baboseiras, sempre respondia para não perder o freguês:
- Sei não, senhor.
- Um aleijado!
Outras ficaram conhecidas pelo bairro como os Clássicos Nazarenês.
- O que é, o que é? Muda de cor e come criancinhas?
- Sei não, senhor! - Respondia Lau
- Michael Jackson
Seu Nazareno dava a reposta acompanhada de uma risada farta e grossa. Uma mistura de Papai Noel com Fafá de Belém.
Há um certo tempo Nazareno teve uma dor imensa em seu peito e não tratou. Era de sua personalidade não procurar médicos, alquimistas e pensadores para tratar de problemas relacionados à saúde.
O senhor caracterizado pelo bigode nasceu como qualquer outro ser humano, a diferença era que seu destino foi especialmente escrito de forma manual pelas tapeceiras de Madagascar, para que no decorrer da vida fosse humilde e soubesse que passos seguir. Tudo por nada, pois esse não teve discernimento. Se envolveu com o Amor, o sentimento primário, e não soube dosá-lo como a cerveja de todo dia. Virou personagem de seu próprio provérbio. "A dor é mãe e o pai é razão", acabou puxando a mãe. Foi tanto Amor, mas tanto Amor por um sonho que virou ferida e veio falecer.
No dia em que falecera, Nazareno estava sentado na mesa de sua casa, acompanhado de uma vela acesa e caderno e no horário da 2º edição de seu espetáculo butequês. Nesta noite, as senhoras nada falaram e Nhô Lau nada ouviu. Seu último provérbio, um plágio comunal, foi como um tango, mas nunca fez tanto sentido ao contrário dos outros que escrevera. “Antes eu do que você”. Assim ele se foi e se ele foi assim jà não sei, mas imagino. Foi assim que também nasci, da morte de Seu Nazareno. Escrevo esta carta para homenagear á quem sua vida me deu.
Meu nome? Prazer! Sou Sonho. Sempre andei por trás das falas de Nazareno e no meio de suas durmidas. Sei que não sou estranho e perpetuo em você também. Por Deus! Deviam ter explicado para Nazareno que o homem não suporta amor, somente os sonhos, pois os sonhos não se realizam, são renovados e sempre amados. O homem é desprovido da sinceridade e do amor eterno que nós sonhos os alimentamos da vontade de viver. Corremos como um velocista que imagina ter asas nos pés. Somos concretos como o tato e surreal como nós mesmos. Somos como uma bailarina que dança com o tempo sem temê-lo. E por favor, não nos julgue, pois os grandes citados em histórias mal contadas foram sempre guiados por nós e se nós não tivéssemos feito o que fizemos, hoje não seria grandes feitos e sim procedimentos de idiotas. Somos filhos da atividade criativa e nosso sentido não é ter acepção. Por fim não se esqueça nunca, não acordo quando você dorme, acordo quando você acorda.

Ah! Seu Nazareno? Podem continuar chamando assim, ele anda escrevendo, escrevendo e acordando... sempre acordando.



Marcus V. Barbosa