sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ventura

E lá existe explicação para paixão??!
Não, não existe mesmo!


É fato e é lógico que não há lógica alguma quando o sentimento vem. Não se limite e advogue pela sua própria pessoa que você é intocável. Se pensas assim é porque é mais vulnerável ainda e tens medo de qualquer sentimento, assim como tens medo da pessoa que você se transforma quando a tem.

Calma, ninguém é lúcido o bastante para ser como Zeus, para se conter a um sentimento e não há anticorpos que lhe imunize. Você é um reles mortal.

Haverá de um dia você se apaixonar e todos os sintomas vão aparecer.

Nada anormal acordar de madrugada, até porque ela será uma boa companhia. Passará o dia tentando explicar o quanto você está apaixonado e na hora dizer tudo aquilo que decorou e que disse com convicção diante do espelho, vai entalar tudo e se sair vai ser uma confusão como a torre de babel, porque discurso não acompanha a disritmia da paixão.
E quando você a encontrar que façam armas químicas, genocídios, descobertas medicinais, que aconteçam eclipse, catástrofes, dilúvios, mas não importa, porque nessa hora, em seu relógio particular, tudo pára e somente um órgão acelera.

É assim, não faça justificativas. É melhor você se render. A paixão vai estar dentro de você de tal forma que você nem lembrará.

Não tente a esconder atrás de um sorriso que seus amigos irão perceber, irão lhe dar conselhos, uns levianos outros não, mas não importa. Eles podem ter pequenas feridas do passado transformadas em grandes fardos. Você tentará desenvolver um raciocínio, mas será breve demais, pois o sentimento é egoísta e quer sua mente em total domínio.
Acordará polivalente buscando uma solução e dormirá mais uma vez demente. Tentará guardar todos os sentimentos em um souvenir, mas eles emanciparão quando você a encontrar. E mais! Cometerá um leve suicídio ao deitar e renascerá ao amanhecer. Ao ler poemas chegará à conclusão de que os poetas já sabiam da sua história ou que então freqüentavam um oráculo onde previram a sua paixão.

Pela última vez, amigo de conselho, renda-se e faça valer. Não há legislação ou cláusula. Ao contrário do que dizem, não é demérito apaixonar. A paixão é assim, simples e constante. Ventura.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Matando heróis

- Alim? Alim??

Era domingo, mais ou menos 23h30 quando um sussurro que vinha da janela atravessou o quarto. Embriagado de sono, pus-me de pé e saí caminhando entre as pilhas de velhos jornais e composições espalhadas pelo chão. Antes de abrir a janela, sem saber se tal fato era sonho ou não, retruquei para a voz que me chamava com certa intimidade.

- Quem é?

- Não lembra mais mim? Sou eu, seu amigo de infância.

Não entendia, não assimilava e não pensava também. Ora bolas! Era domingo, havia de trabalhar logo mais e uma voz vinha da janela do meu apartamento, no quinto andar?!

- Se não falar o nome não abro!

- Mas... fui seu melhor amigo... e você não lembra da minha voz?

E realmente não lembrava mesmo, mas já estava convicto que tal cena passada era um sonho e logo lembrei que podia ali morrer e na segunda de manhã renascer ao acordar. Abri!

- Posso entrar? - Indagou a visita.

Meu Deus... realmente era sim meu amigo de infância, mas que pensei em nunca mais encontra-lo.

- Superman. O que faz aqui?

- Preciso conversar, posso entrar?

È claro que eu o deixei entrar, mas não me alegrava mais a sua visita como antigamente. Era menos que mais do mesmo receber essa peça de infância. Entrou derivando sobre o quarto escuro. Havia dez anos que não via mais.

- Pensei que nunca mais ia te ver.

- É, eu andei ausente. Pra falar a verdade, não vim com a intenção de te ver. Fui escalado no sonho do menino que mora no 301 e resolvi passar por aqui.

- Escalado? Mas você não trabalha mais para a Liga da Justiça?

- Acabou.

- Cadê todos? Mulher Maravilha, Aranha? E a Marvel?

- Faliu, acabou. Hoje, com essa crise não tive outra escolha a não ser entrar em uma empresa de sonhos. Recruta heróis para participar de sonhos e quando não há demanda, animo festas infantis.

- Mas e os outros?

- Aranha, morreu. Foi visitar seu primo em uma lavoura no interior. Por causa das toxinas pulverizadas na plantação, teve complicações e não resistiu. Mulher Maravilha está famosa. Fechou um contrato milionário com uma gravadora e virou dançarina. Você deve conhecê-la. Cansou de salvar o mundo e por causa da negação da família virou funkeira. Seu codinome agora é Mulher Melancia e por fim estou aqui. Parece-me que você não ficou feliz?

E não tinha ficado mesmo. Nada haver com mágoa, por ele não ter aparecido quando o pneu do carro furou na autopista, quando o ladrão entrou na minha casa ou no falecimento de meu pai. Mas é que não era a mesma coisa, tinha criado novos heróis e gostava mais daqueles que carregavam em seu dorso um violão e quando dedilhavam, os sons que saiam, valiam mais que qualquer força praticada pela velha guarda.
O contexto atual também não lhe era favorável, as cores de sua roupa já estavam desbotadas e seu país que tanto infelicitou a cor do ébano, agora era presidido pela melanina, um mestiço imponente. Nada conciliador com o sonho americano e talvez fosse realidade mesmo. Em sua terra, não precisavam mais dele e sim de homens nem tão fortes, talvez obesos e carecas, mas intangíveis economicamente. Enfim, era muita ausência vivida para ser apagada em um encontro repentino.

-As coisas não são como antes. Eu mudei.

-Mas você fez jornalismo?

- Sim, por sua influência.

Amargurava na profissão. Pós-formação ainda não havia conseguido nenhum emprego. Pautei tantas atividades por causa de um herói e agora ele estava ali querendo um ouvido, como um divã, o homem desabafando e eu abafando.

Coitado, era um herói sem teto, ou melhor, sem sonhos. De certo que tentei ajudá-lo, mas ser um humano não era nada fácil pra quem foi herói. Então arrumei um colchão revestido por lençóis brancos e ele dormiu ao acalanto de meus novos heróis. Quando acordei, não havia mais herói e sim uma cama vazia.
Aprontei-me e comecei a vasculhar tranqueiras do passado antes que escurecesse novamente, até encontrar exemplares antigos do peito de aço. Apanhei uma lixeira, fui até a varanda e juntei todos os resquícios que sobrara daquela amizade e que se ainda havia, tinha que fazer um último pedido daquele histórico amigo. No suplício da fogueira foram queimando todas as páginas dos álbuns e fantasias de um tempo que devia ser apagado. Apanhei o máximo de de kriptonita e ladrilhei a minha janela. Assim nunca mais o veria, assim morria o último herói, assim morreu Superman.